Das cartas que eu gostaria de ter escrito

I

Eu lembro bem da primeira vez que eu vi sua cabeça em torno da porta, porque a minha parou de funcionar.
Te quero aqui hoje a noite, te quero aqui, porque não consigo acreditar no que encontrei. Te quero aqui hoje a noite,  porque nada vai me desanimar. Eu me lembro bem, eu estava em sua fila. E sua boca, sua boca, sua boca…
Te quero aqui hoje a noite, te quero aqui, porque não consigo acreditar no que encontrei. Te quero aqui hoje a noite
Te quero aqui, porque nada vai me desanimar. Exceto você, meu amor.

II

Venham todos vocês, perdidos, mergulhem no musgo. Eu espero que minha sanidade cubra o custo de remover a mancha desse amor de papel machê. Venham todos vocês, renascidos, toquem minha buzina!
Estou dirigindo feito um louco, isso é amor, isso é pornografia! Que Deus me perdoe, mas eu me chicoteio com desprezo.

Eu quero ouvir o que você tem a dizer sobre mim, ouvir se você vai viver sem mim, eu quero ouvir o que você quer.
Eu me lembro de dezembro e eu quero ouvir o que você tem a dizer sobre mim, ouvir se você vai viver sem mim
Eu quero ouvir o que você quer.

Que diabos você quer

Remember – Damien Rice

só dói

I feel something so right
Doing the wrong thing
I feel something so wrong
Doing the right thing

que seja leve enquanto dure.

diálogo que precede o sono

que cama gelada! meu pai amado… preciso esquentar meus pés. eu odeio dormir de pé gelado. “cobertor de orelha” nada, quero um cobertor de pé, esquentar o pé é muito mais importante que esquentar orelha, rs, cala a boca. nunca entendi “cobertor de orelha” pra se referir a dormir com alguém, quem que inventou essa merda?

merda tá esse frio… cobertor de orelha… af…

eu tranquei a porta? acho que sim. calma. acho que não! eu não lembro do momento exato em que passei a chave, mas acho que tranquei… será? sim, eu peguei um copo d’água, peguei o pão, apaguei a luz da cozinha, dei pão o pro cachorro… droga! não consigo lembrar o que eu fiz entre o pão pro cachorro e a escova de dente. calma, o pão pro cachorro foi ontem, hoje acho que comi uma banana e aí sim peguei o copo d’água, apaguei a luz… ou eu bebi a água e depois comi a banana?  é, bebi a água antes. isso. dai eu tranquei a porta… tranquei?  putz, mas hoje não foi a banana, foi a barrinha de cereal que aliás estava doce pra caramba, dai eu bebi a água e depois tranquei a porta. sai correndo porque o chão estava gelado. é, acho que tranquei. não, não tranquei, bosta! caralho viu. não. péra. tranquei.  tanto que não comi a barrinha até o final, bebi a água e fui logo trancar a porta, mas eu não encontrei a chave. tava em baixo da almofada do sofá. dai eu tranquei a porta. eu acho. eu comi a barrinha de cereal? não… amanhã preciso arrumar minha mala, não posso esquecer o repelente. será que levo minha bota? hmmm, acho que não… preciso levar meu óculos pra arrumar e tenho que ver a hora do ônibus. é… não posso esquecer… o que eu estava pensando antes mesmo? ah! a porta. devo ter fechado… eu dei água pro cachorro, dei um gole na banana e aí tranquei a porta… não, não. peguei o pão, dei barrinha de cereal pro cachorro, sai correndo pra trancar a luz e apaguei a porta. não tranquei, certeza. mas eu lembro de ter pego um copo de cachorro, sair correndo porque a o chão  estava doce pra caramba e tranquei a porta. devo ter trancado. é a água tava cachorro e a escova gelada. comi um copo de cereal e tranquei o chão. tranquei. tranquei… tranq… tran…

the wrong mix in the wrong genes

sabe quando tá tudo errado? então,  tá tudo muito errado. minha vida tá errada, eu tô toda errada. chegou no ponto de eu não saber mais se tem conserto. nossa, mas é erro pra caramba, viu. acordo por obrigação, durmo pelo mesmo motivo e faço as duas coisas da maneira mais errada possível. erros de vários tipos e tamanhos nos mais variados âmbitos da vida. eu erro comigo e erro com os outros.  e ainda tem essa coisa dos astros errados nas ascendências erradas. começou errado, entende? nasci no mês errado, na hora errada do dia errado. peguei caminhos errados, fiz escolhas mais erradas ainda. estive nos lugares errados nas horas erradas fazendo coisas erradas por motivos errados. usei métodos errados e aprendi técnicas erradas. fiz planos errados, sofri por coisas erradas e esperei da maneira errada. teorias erradas sobre coisas erradas. palavras erradas colocadas de maneira errada. gastei  energia errada por pessoas erradas com a intensidade errada. erro atrás de erro que vêm na frente de mais erros.

resumo dos meus relacionamentos por Tati Bernardi

– Eu nunca gosto de nada, e gostei tanto de você.
– É?
– Droga.
– O quê?
– Eu falando de gostar.
– E daí?
– E daí que vai acontecer tudo de novo.
– O quê?
– Vou sentir demais, falar demais, escrever demais. E você vai embora.

o segundo

o que me resta é sorrir, porque é isso. eu quero apenas te ver. coloco a dor numa caixinha embaixo dos meus pés para poder ficar mais alta e te abraçar sem dor, perto do seu pescoço onde consigo sentir seu cheiro mesmo que por um segundo.

eu te acho bonito de formas tão variadas, e estranhas, e insuportáveis. você parece um felino, o rei escolhendo a presa que irá atacar. parece um felino mesmo com esses olhos de quem não quer fazer mal. mas faz. seus olhos. me lembro muito bem deles perto de mim quando nos beijamos pela primeira vez. eles sempre chegam até mim como um soco na boca do estômago. e aí eu tenho vontade de te dizer que eu sei que você tem medo de ir embora, que tem medo das minhas declarações descabidas, que você tem bom gosto pra música, que eu tenho vontade de te abraçar quando vejo seu sorriso, que eu nunca desejei que a resina do seu dente caísse, que eu acho sexy você trabalhar com jogos, que eu gosto de como você diz que ama seus amigos… e como eu gosto de você por isso. a loucura de gostar tanto de tão pouco, a loucura de gostar desse você que eu inventei juntando os pedacinhos que conheci, a loucura de gostar do que poderia ter sido e nunca foi. eu posso sentir sua gentileza disfarçada de vergonha (ou seria indiferença?) por nunca ter gostado de mim. a maneira que você me abraça parecendo pedir desculpa por ser só mais um cara que parte depois de me fazer sofrer. você é o mocinho que se desculpa pelo próprio bandido. finjo que aceito suas considerações que você finge ter só pra poder ter novamente o segundo. como o segundo do meu nariz na sua nuca, por um segundo, te abraçar sem dor, te beijar sem medo, ser casual sem pensar no depois. o segundo do seu nome na tela do meu celular. o segundo da sua voz do outro lado como se fosse possível começar tudo de novo e te conquistar sendo eu, e você me fazendo rir e tudo o que poderia ser. o segundo em que suspiro e digo alô e sinto o cheiro da sua roupa. por isso aceito a sua enorme consideração pequena, responsável, curta, cortante. aceito você de longe. aceito você inventado, aceito suas costas indo. aceito o último cacho virando a esquina. aceito sua consideração de carinho no topo da minha cabeça, seu dedilhar de dedos nos meus ombros, seu tchauzinho do bem partindo para algo que não me leva junto e nunca levará, seu beijinho profundo de perdão pela falta de profundidade. aceito apenas porque toda a lama, toda a raiva, todo o nojo e toda a indignação se calam para eu poder te abraçar por um segundo e sem dor.

é minha filha, você é isso ai que você tá vendo e nada mais. e nada menos. nem mais bonita, nem mais magra, nem mais peituda, nem mais inteligente, nem mais engraçada, nem mais interessante. nem menos feia, nem menos esquisita, nem menos impulsiva, nem menos romântica… é isso aí que você acha que é e pode desistir, todos esses remédios para dor existencial não passam de placebo, menina. a coisa é bem mais em baixo. bem em baixo onde nada nem ninguém consegue concertar.